segunda-feira, 14 de junho de 2010

II ENCONTRO BIENAL DE PSICANÁLISE E CULTURA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE RIBEIRÃO PRETO

“A SAGA DE CAMILLE CLAUDEL”
(1864/1943)
Decio Cassiani Altimari
Parte 2

Camille tinha 21 anos e Rodin tinha 45.
Ele estava amasiado, há tempos, com Rose Beuret, uma costureirinha que lhe dera um filho (que ele jamais reconhecera como seu). A pacata Rose era condescendente em relação aos “casos” do companheiro, sabendo que não tinha mulher que passasse no ateliê dele, fosse modelo, mundana, aristocrata, inglesa, americana ou polonesa, que ele não levasse ao leito. Que Rodin era um insaciável sátiro, Rose sabia. Inclusive sabia das tragédias de sua insaciabilidade, como a da aluna que se suicidou quando descartada. Rose sabia que Rodin não se ligava às mulheres. Tanto quanto Rodin sabia que não ligava para mulher alguma.
Até chegar Camille, que ela foi paixão.
Da paixão que foi o começo do escangalho da cabeça dela. Porque:
a) ela logo soube que jamais Rodin largaria de Rose para se casar com ela. Rose era quasi-quê ignorante, muito singela, bastante moderada, e um tanto feiosa; Rose era o acabado oposto de Camille, mulher sofisticada, culta, inteligente, agitada, e muito bonita. Mas Rodin preferia viver dos mornos ensopados que Rose lhe cozinhava, a viver do calor capitoso dos braços de Camille. A vida de monótona mesmice com Rose lhe era melhor que uma vida de surpresas constantes com Camille; que se lamentava por isso;
b) ela logo soube dos escritos dos críticos de Arte que escreviam que os trabalhos que expunha e assinava como seus, na verdade tinham sido feitos por Rodin e não por Camille; que se lamentava por isso;
c) ela logo soube (e se lamentava por isso) de que tudo o que ela fazia no ateliê de Rodin, como sua assistente, e com participação relevante nos feitos, (como na “Porta do Inferno” e nos “Burgueses de Calais”, onde as belas mãos e belos pés dos expressivos personagens eram da autoria dela), jamais tinha dele a menção da participação dela, Camille.
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Insisto nesse ponto, porque no período entre 1885 e 1898 foi o período áureo dele, quando produziu as mais apaixonadas e sensuais obras; depois que ela foi embora, Rodin deixou de criar; murchou de vez. Tanto que, já sem ela, em 1900, na Exposição Universal de Paris, apresentou nada de novo, mesmo sendo nomeado pelo Governo francês como “o maior artista vivo do mundo”.
Em 1898, no décimo terceiro ano de parceria artístico-amorótica, Camille engravidou. Rodin nem quis saber da gravidez (como não quisera saber de outras tantas anteriores dela). Camille fez outro abortamento, e foi embora.
Montou ateliê próprio no número 19 da Rue Bourbon, na Île de Saint Louis.
Trabalhava intensamente (feito “louca”), portas fechadas, trancadas, escondida. Apresentou trabalho importante no Salão Oficial (“L’âge Mûr” = “Maturidade”); o trabalho foi recusado. Desesperou-se, crendo na sua cabeça confundida que tal fora manobra de Rodin. E tudo o quê fizera e tudo o que passou a fazer a partir disso, destruía: argilas moldadas, gessos formatados, mármores esculpidos, tudo virava pó, às marretadas dela, no ateliê esvaziado de móveis e utensílios, onde ela dormia em catre, nem tendo onde lavar-se ou limpar-se. Ali entravam poucos, como o “marchand” Eugène Blot, que tinha carinho especial, respeitoso e honesto por ela. Com cuidado e persistência convenceu-a fazer exposição. Camille concordou. E fez. Mas resultou em horror. Não pelas obras expostas. “Ela” foi o horror; quando chegou, na inauguração, seu aspecto pessoal escandalizou e sua figura espantou: como raramente se lavava, cheirava mal; como não trocava a roupa, a que usava estava nos frangalhos. Desgrenhada. Embriagada. Um bicho, falando obscenidades. A “vernissage” foi um fracasso. Um horroroso fracasso.
Se não trabalhava, ela vivia do quê? De brisa?
Não, pois tinha apoio do pai (que mandava sempre um “dinheirinho”, escondido da esposa).
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E também um pouco de apoio do irmão, o Paul Claudel, já poeta falado, já diplomata disputado e já “bem de vida”. Paul era um religioso fanático, um moralista intransigente, e que dizia que amava a irmã [o patamar desse amor, ao menos na minha interpretação, estava mais para o incestuoso que para o fraternal], e odiava Rodin, cujo ódio advinha (reproduzindo o que dizia sempre);
“pelo que ele fez com minha irmã, que perdeu tudo com ele”.
O pai, velho e dominado pela esposa, era proibido de visitar a filha e morreu triste; foi enterrado no 03 de Março de 1913. Camille nem soube.
Depois do enterro o que fez a mãe? O seguinte, logo, no 07 de Março:
mandou um médico examinar a Camille; a moça trancou a porta. Por ordem judicial, policiais arrombaram, invadiram o ateliê, manietaram a Camille e o médico fez exame, à força. E escreveu laudo:
“O que subscreve este documento certifica que a Senhorita Camille Claudel padece de problemas intelectuais muito sérios, que a levam a adotar hábitos miseráveis; está completamente suja e jamais se lava; vendeu todos os móveis da casa em que mora, menos a cama; passa todo o tempo fechada em casa sem ar, pois mantém as portas e janelas hermeticamente cerradas.Desde alguns meses não sai durante o dia e só faz raras escapadas noturnas. Pessoalmente constatei que ao longo dos últimos 7 a 8 anos tem se sentido perseguida. Deve ser internada.
Dr. Michaux
De posse desse... “laudo” (que não explicita “doença mental”, nem “loucura”, e tão pouco que a internação deveria ser em “sanatório de alienados”, ou em “manicômio”), a mãe fez a polícia pegar a moça à força, e jogaram-na em um hospício.

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